Tratamento da obesidade de paciente com urolitíase por oxalato de cálcio.

MSc. M.V. Luiz Fernando José de SouzaVeterinário NutrólogoRio de Janeiro, 13 de julho de 2015

A obesidade ou excesso de gordura corpórea causada por um desequilíbrio crônico entre a ingestão e gasto calórico. É uma desordem multifatorial (estilo de vida, alterações neuroendócrinas, fatores hereditários, dieta inadequada ou manejo nutricional errôneo, ...) que tem como principal consequência o aumento do risco do desenvolvimento de outras desordens (endocrinopatias, artropatias, doenças cardiovasculares...). Atualmente, seu tratamento, está pautado em dietas hipocalóricas (< 3 Kcal / g de matéria seca), hiperproteica (> 28% de proteína da matéria seca), normoglicídicas e hipolipídicas e ricas em fibras (1; 2). Na espécie humana há uma forte correlação entre dietas hipolipídicas ou esteatorreia com a hiperoxaluria e consequente formação de urólitos de oxalato de cálcio, apesar de alguns autores relatarem não haver correlação entre dietas hipolipídicas e a formação de urólitos de oxalato de cálcio em cães (3; 4), optou-se por seguir este preceito na distribuição calórica da dieta e trabalhar com uma dieta normolipídica (> 10% da matéria seca) afim de minimizar o risco potencial da absorção aumentada de oxalato intestinal, e deste modo, reduzir um dos fatores de risco do crescimento do urólito pré-existente, ainda, por trabalhar com altos níveis de umidade e e moderados para cálcio e fósforo.

Anamnese:

Paciente (Julli) canino, fêmea, Schnauzer miniatura, 6 anos, castrada, encaminhada pelo Dr. Ricardo Brandão do hospital veterinário Promove Saúde Animal com diagnóstico de urolitíase de oxalato de cálcio rescidivante, confirmado por EAS, exame de análise de cálculo e ultrassonografia, a qual constatou o tamanho de 1,0 cm por 0,9 cm e o posicionamento na vesícula urinária (Fig. 1), após a 2a cistostomia para remoção de urólitos.

A tutora relatou que a paciente apresentava vômitos esporádicos e fazia uso de bromoprida (cápsula 10 mg) nestas intercorrências. A alimentação, há mais de 1 ano, feita com dieta industrializada super premium light nas quantidades recomendadas pelo fabricante e frutas esporadicamente. Possuía uma frequência de defecação de 3 vezes ao dia, com volume aparentemente normal, consistência 3,5 de 5, coloração marrom escura (próximo da cor da ração), frequência urinária de 3 vezes ao dia, volume proporcional a ingestão hídrica, coloração amarela escura com presença de hematúria ao final da micção.

Avaliação métrica inicial

Avaliação Ponderal

Peso aferido foi de 7,600 g, peso padrão da raça varia de 4,000 g a 7,000 g (5). Com base nas avaliações métricas abaixo foi determinado o peso teórico desejado de 5,500 Kg para o paciente, o que representa 2,100 Kg acima do peso ou 38,2% de acima do peso teórico desejado, deste modo, o paciente foi classificado como obeso grau III (> 30% do peso) ou obeso mórbido.

Índice de Massa Corporal (IMC)

Calculado em 21,833 com base no comprimento entre as vertebras atlas (C1) a primeira sacral (S1) foi de 34 cm e o comprimento da tuberosidade ilíaca ao coxim plantar foi de 25 cm.

Circunferências corporais e Pregas cutâneas

Circunferências de: pescoço de 27 cm, tórax de 43 cm, abdome de 40 cm e coxa de 17 cm; e pregas cutâneas (6 <> 5 mm) de 14 mm no pescoço, 10 mm no tórax, 15 mm no abdome e 6 mm na coxa.

Após avaliação dos dados métricos observou-se:

1. Relação do pescoço-tórax aberta com 0,628 mm (0,600 <> 0,300) indicando deposição de de gordura nesta região, confirmados pela palpação e mensuração plicométrica.

2. Relação do tórax-abdome próximo ao limite mínimo com 1,075 (1,200 <> 1,000) sugerindo, no caso, aumento do panículo adiposo abdominal, confirmados pela mensuração plicométrica da região abdominal e correlacionada com a relação aberta entre as circunferências da coxa-abdome.

3. Relação coxa-abdome abaixo do limite inferior com 0,425 (0,600 <> 0,500), com mensuração da prega cutânea da com em 6 mm, com deposição de gordura subcutânea dentro da normalidade, baixa reserva muscular dos membros posteriores.

Princípios nutricionais adotados

Dieta

Calculada a necessidade calórica do paciente com base, espécie, raça, sexo, peso, faixa etária e condição reprodutiva em 458 Kcal/dia (6), e aplicada restrição energética de 30% devido ao seu excesso de peso (320 Kcal/dia) a fim de produzir uma perda ponderal de 1% a 2% semanais do peso inicial (7; 8).

A distribuição calórica da dieta com base na energia bruta (EB) foi de 45% da energia advinda de proteína, contudo, a energia líquida (EL = EB - gastos energéticos de absorção, digestão, transporte e aproveitamento do alimento (9; 10; 11)) foi de apenas 30%, sendo, 85% das fontes proteicas de origem animal (bucho bovino ou peito de frango, sardinha e ovo). Os carboidratos, ou extrato não nitrogenado (chuchu, couve manteiga, beterraba, batata doce, cenoura e batata yacon) contribuíram com 35% da EB, ou 43% de EL, selecionados com base em seus índices glicêmicos (IG – impacto relativo do carboidrato presente nos alimentos na concentração de glicose plasmática (12; 13; 14) e afim de produzir uma carga glicêmica (CG – efeito total de uma determinada quantidade de carboidrato sobre a glicose plasmática (13; 14; 15))moderada. Os lipídeos propiciaram 20% da EB, ou 13% da EL, distribuídos em 5% de colesterol, 56% em gorduras saturadas, 32% em monossaturadas e 6% em poli-insaturadas.

Associado a essa distribuição calórica, a dieta ainda apresentou altos teores de umidade (80%) e fibras (8,5% da matéria seca), com uma relação 2:1 fibras solúveis e fermentáveis (prebióticos) para insolúveis e 2 temperos com efeitos semelhantes, hipoglicemiantes (cúrcuma e coentro) (16). Cálcio e fósforo mantiveram uma relação 1,1: 1, com fósforo mínimo de 0,55% da matéria seca da dieta, enquanto o magnésio teve uma concentração aumentada na dieta, de 0,64 mg / Kcal da dieta.

Protocolo dietético

Dieta fracionada em 5 porções diárias, sendo 3 porções com alimentos cozidos (manhã, tarde e início da noite) e 2 com oferta de frutas (tarde e final da noite).

Resultados

Após decorridos 115 (cento e quinze) dias, ou aproximadamente 4 meses ou 16 semanas de tratamento dietoterápico, o paciente apresentou os seguintes resultados à consulta

Avaliação ponderal

Peso aferido de 5,500 Kg, perda de 2,100 Kg, correspondendo um declínio de 27,6% do peso inicial, uma perda média semanal de 0,150 Kg (1,96%), levando a paciente ao status de eutrófico ao final do período, e posterior evolução para uma dieta de manutenção

Índice de Massa Corporal (IMC)

Calculado em 17,236, apresentou uma redução de 4,597 (21%) voltando ao estado de normalidade.

Circunferências corporais e pregas cutâneas

1. Circunferência do pescoço (21 cm), com involução de 6 cm equivalente a 22% de diminuição do perímetro e um decréscimo de 4 mm na prega cutânea da região (10 mm), que corresponde a 28% de retração da concentração adiposa local, tornando fácil a palpação dos grupos musculares da região.

2. Circunferência torácica (41 cm), regrediu 2 cm, correspondendo a 2,8% de regressão do perímetro e a regressão da prega cutânea foi de 1 mm, que representa 10% de retração de adipócitos locais, não sendo possível a visualização do gradil costal.

3. Circunferência abdominal (34 cm), atingiu um decréscimo de 6 cm, 15% de decréscimo do perímetro e a prega cutânea cedeu 4 mm, 36% de decréscimo, tornando possível a visualização da “cintura” em visão de topo (dorsoventral).

4. Circunferência da coxa (20,5 cm), aumentou 3,5 cm, ou seja, 20,6% de massa magra na região,já que não houve alteração na mensuração da prega cutânea que se manteve em 6 mm.

Urolitíase de oxalato de cálcio

O cálculo manteve seu tamanho estável durante todo o período de tratamento conforme objetivo nutricional. Após este período o paciente foi liberado para nova cistostomia para remoção do urólito.

Conclusão

A utilização de dieta hipocalórica, hiperproteica, normolipídica, normoglicídica mostrou-se eficaz na perda ponderal. Todavia, outros efeitos aditivos para obtenção do resultado devem ser levados em consideração, entre eles os efeitos da cúrcuma (Curcuma longa) de aumentar a excreção fecal de ácidos biliares e colesterol diminuindo a absorção de gordura total da dieta (17); o efeito anabólico do coentro (coriandrum sativum) ao agir tanto no aumento da produção de insulina nas células β-pancreáticas quanto na mimetização dos efeitos desta (16); os efeitos prebióticos com repercussão glicêmica e lipêmica da batata yacon (Smallanthus sonchifolius) (18; 19; 20) e o aumento de 2,5 vezes do gasto energético exercido pelo fracionamento da dieta em 5 porções.

Quanto a prevenção na progressão do aumento do urólito de oxalato de cálcio a dieta também se mostrou eficaz, primeiramente pelo aumento na ingestão hídrica (80% de umidade) promovendo uma subsaturação da urina (21; 22; 23; 24; 25; 26); teores reduzidos de cálcio e fósforo reduzidos, porém com sua relação preservada (3; 27; 28; 29) e níveis de magnésio aumentados ao inibir a ligação do oxalato com o cálcio (30; 31; 32; 33).

Referências

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Dieta na doença renal crônica: Ração ou dieta caseira balanceada?

O rim é um órgão de múltiplas funções orgânicas. O termo Doença Renal Crônica (DRC) define a presença de lesão renal persistente, caracterizada pela perda definitiva e irreversível de massa funcional de um ou de ambos os rins, e redução da taxa de filtração glomerular (Polzin et al., 2005). Dentre as recomendações específicas para os estágios da doença renal segundo a International Renal Interessa Society (IRIS), recomenda-se a nutrição específica para doentes renais crônicos. A avaliação nutricional subjetiva recomendada pela World Small Animal Veterinary Association (WSAVA) também foi colocada como parâmetro vital, com objetivo de melhorar a qualidade de vida do paciente e aliviar os sinais clínicos, inclusive os de intoxicação urêmica (Mendes W. 2014).

A nutrição do paciente com DRC é orientada para auxiliar na redução da progressão das lesões renais, melhorar os sinais clínicos da uremia, aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida do paciente (Mandayam, Mitch 2006).

Tão importantes quanto a restrição de proteína e fósforo no nefropata, são os balanços hídrico e energético, pois o desbalanço hídrico acelera a progressão da DRC, enquanto o energético aumenta as complicações. A concentração hídrica corporal varia enormemente com a idade, nas fases iniciais da vida constitui em média de 70% a 75% do corpo, já nas fases mais avançadas apenas 50% a 60%, uma vez que a água é o principal diluente corporal, sua redução (desidratação) aumenta a concentração dos solutos corporais aumentando todo trabalho metabólico para homeostase (Develin, T. M, 2004). A diminuição da função renal acelera esta desidratação. Dietas caseiras balanceadas, dietas industrializadas úmidas ou reidratas, são boas opções para a manutenção hídrica do paciente, além de respeitar a via fisiológica da hidratação, contudo, quando a desidratação já estiver instalada, o tratamento fluidoterápico deve ser imediatamente instaurado, pois a água é o componente mais importante para manutenção da vida de qualquer espécie (Mendes W.S. 2014).

A redução da ingestão energética potencializa um desequilíbrio metabólico na DRC observado por marcadores bioquímicos e exames de imagem, tais como: creatinina sérica devido à quebra muscular para gliconeogênese; dislipidemia vista predominantemente pela hipercolesterolemia pelo aumento da produção hepática e esteatose hepática; hiperfosfatemia decorrente da conversão do ATP em AMP; hipoalbuminemia por aumento da produção de proteínas de fase aguda; acidose metabólica pelo aumento da β-oxidação com formação de cetoácidos, entre outras complicações (Cichacewski, C. L. R, 2011). Vale ressaltar que tais desequilíbrios também podem ocorrer não só pelo desbalanço energético, mas podem ser minimizados ou até corrigidos com o adequado aproveitamento da energia. O valor energético total (VET) a ser administrado ao paciente deve levar em conta sua idade, condição corporal e reprodutiva (castrado ou não), iniciado com base no peso alvo (desejado), exceto em pacientes IRIS IV. Segundo o NRC 2006 devem ser usadas as seguintes fórmulas matemáticas para determinação da energia a ser ofertada diariamente:

Cão: adulto, inteiro, eutrófico = 130 Kcal x Peso 0,75;

Gato: adulto, inteiro, eutrófico = 100 x Peso 0,67;

(National Research Council et al, 2006).

Apesar da preocupação com a restrição de proteína, está só deve ser realizada após classificar o paciente como proteinúrico de acordo com a diretriz da International Renal Interest Society (IRIS) e uma avaliação completa do estado nutricional do paciente, incluído parâmetros laboratoriais (pré-albumina, albumina, transferrina...), físicos (avaliação subjetiva global e métrica) e clínica (inquérito alimentar, padrões fecais e urinários...) para a tomada de decisão do conteúdo proteico da dieta (Cuppari L, Kamimura M. A, 2009).

A restrição proteica permanece controverso, de acordo com The National Kidney Foundation (NFK) as evidências são insuficientes para se recomendar ou não a restrição de proteína da dieta com o objetivo de retardar a progressão da DRC, tendo em vista que dieta muito pobre em proteínas não retarda a progressão para insuficiência renal, mas aumenta o risco de morte. Diversas fórmulas são propostas para determinar o conteúdo proteico da dieta no tratamento conservador (NKF-K/DOQI 2002):

Gramas de proteína na matéria seca:

Cão: 14,5% - 20% e gato: 22% - 28%;

Distribuição calórica da proteína:

Cão: 13,5% - 18% e gato: 22% - 25%

Ou relação entre a energia não proteica e gramas de nitrogênio:

Cão: 170:1 – 120:1 e gato: 95:1 – 75:1

Outro ponto a se observar, além da quantidade de proteína ofertada, é sua origem, proteínas de origem vegetal diminuem a ureia sérica, ureia urinária, creatinina e fosfato em comparação com a proteína de origem animal e não agravam o estado nutricional e o nível de albumina sérica, todavia, não há estudos conclusivos sobre a taxa ideal de incorporação de proteína vegetal na dieta. Uma avaliação laboratorial periódica dos marcadores bioquímicos para a DRC deve ser feita durante todo tratamento (IRIS-1 a cada 6 meses; IRIS-2 a cada 3 meses; IRIS-3 semanal a quinzenal; IRIS-4 diário a semanal) para possíveis ajustes da dieta.

Contrariamente à restrição proteica, dietas hipofosfóricas têm se mostrado muito eficazes no controle da progressão da DRC. A taxa de filtração glomerular (TFG) é reduzida nos pacientes com DRC, por este motivo, o fósforo se acumula no organismo (hiperfosfatemia) e estimula a síntese e secreção de PTH, levando ao hiperparatireoidismo secundário renal. (NASSAR, 2000). Outra forma de controlar a hiperfosfatemia é a utilização de quelantes de fósforo, como hidróxido de alumínio na quantidade de 30 mg/kg/q8 h ou 45 mg/kg/q12h (Mendes W, 2014). A hiperfosfatemia também está́ associada à elevada mortalidade e relacionada aos eventos cardiovasculares. Os mecanismos pelos quais a retenção de fósforo aumenta o risco de eventos cardiovasculares e de mortalidade ainda não estão totalmente elucidados (LONDON et al, 2003).

Nas dietas caseiras balanceadas, a oferta proteica de origem animal costuma ser maior, como essa fonte também é rica em fósforo orgânico, geralmente não há necessidade de suplementação de fósforo inorgânico, pelo contrário, esse mineral passa a ser um limitador na taxa de inclusão de determinadas fontes proteicas. O controle do fósforo é feito pelo somatório do fósforo de todos os ingredientes que compõem a dieta, seja de origem animal (maior fonte) ou vegetal. Por essa razão é importante salientar que as proteínas de uma mesma origem diferem entre si quanto ao teor de fósforo, por exemplo, supondo que a necessidade desse mineral para um paciente fosse 100 mg / dia, só poderiam ser usados 53,5 g de sobrecoxa de frango (187 mg / 100 g) ou 45 g de peito de frango (222 mg / 100 g), deste modo, a mesma fonte (frango) tem limites diferentes dependendo do corte utilizado, logo, dietas caseiras com listas de ingredientes não fixadas podem pôr em risco a saúde do paciente (PHILIPPI, S. T, 2015).

Os animais poliúricos tendem a hipocalemia, mas não há recomendação para suplementação de potássio em cães. Já em felinos, há recomendação de suplementação de potássio na dosagem de 2-6mEq/Kg/dia (RUBIN, 1997).

A hipertensão arterial é frequentemente observada na DRC. A hipertensão piora a lesão renal, e como consequência ocorre o remodelamento cardíaco. A restrição de sódio é indicada mesmo quando esses não apresentam sinais de hipertensão (LEWIS et al., 1994). Já Mendes W.S. Afirma que os benefícios da restrição de sódio (Na) na prevenção e no tratamento da hipertensão são controversos, pois o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) é capaz de se ajustar a diferentes quantidades de sódio.

Diversos estudos clínicos descrevem os efeitos deletérios da acidose metabólica em vários sistemas corporais, tais como: aumento do catabolismo proteico, pela via proteolítica da ubiquitina ATP-dependente; aumento do cortisol endógeno, pelo estresse calórico; resistência insulínica, pela azotemia e dislipidemia; desenvolvimento ou exacerbação de doença óssea, pela inibição da ativação de vitamina D e alteração na resposta ao paratormônio; entre outros efeitos. Não existem estudos que avaliam o impacto de diferentes níveis de correção do bicarbonato plasmático, e a suplementação oral de bicarbonato de sódio deve ser iniciada com baixa dose diária (0,5 a 1mEq/kg) e se necessário o aumento subsequente (Halpin D, 2008). Brown (1998) relatou que a suplementação com antioxidantes em cães com redução da massa renal cirurgicamente induzida foi eficiente em desacelerar o ritmo da redução da TFG. Nos gatos, esses efeitos ainda devem ser pesquisados.

Dietas ricas em colesterol podem levar a hiperlipidemia e aumentar a esclerose glomerular focal. Não há consenso se cães e gatos se beneficiam das dietas ricas em gorduras no desenvolvimento da DRC (BROWN, 1998).

Dieta industrializada, seca ou úmida, de empresas comprometidas com a saúde e qualidade de vida de seus consumidores e que pautam seus produtos com base em pesquisas próprias em seus centros de pesquisa e desenvolvimento ou em conjunto com universidades, colegiados e afins, tem sua composição fechada, com pouca (mínimos e máximos) ou nenhuma variação, dando ao tratamento a regularidade no fornecimento tanto de macro quanto micronutrientes, todavia, não permite ajustes finos frente às comorbidades que por desventura possam estar associadas, como: hipersensibilidade alimentar, esteatose hepática, diabetes melito (ALVES, N. A, 2006).

Autores

KARINE KLEINE

Médica-veterinária, Msc; vice-presidente do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias; Mestre em Medicina Veterinária de Pequenos Animais pela Universidade de Franca (UNIFRAN) pós-graduação em Nefrologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), especialização em cardiologia pela Universidade de Medicina Souza Marques e professora de Nefrologia e Cardiologia do Instituto Qualittas de Pós-graduação

LUIZ FERNANDO SOUZA

Médico-veterinário; Mestre em bioquímica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Pós-Graduado em fisiologia digestiva pela Universidade São Camilo, graduado em medicina veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Alimentos com potencial tóxico para cães e gatos.

Alho (Allium sativum), Alho-poró (A. porrum)

Possuem componentes que trazem benefícios para saúde, contudo, alguns desses componentes são tóxicos (alicinas e ajoenes - MARTIN et al., 1992) que podem trazer risco de vida aos pets.

Considerado seguro para cães em baixíssimas dosagens, seu consumo deve ser limitado, pois em concentrações maiores do que 0,5% de seu peso vivo torna-se tóxico (COPE, 2005), mesmo após sua cocção (BURROWS; TYRL, 2001). As principais afecções causadas pelo seu consumo são: inflamações no estômago e intestinos (gastroenterites), com vômitos, diarreias, dores abdominais, perda do apetite, desidratação e depressão, evoluindo para sinais clínicos associados à hemólise (destruição das células vermelhas do sangue) até ao óbito.

Cebola (Allium cepa) e Cebolinha (A. schoenoprasum)

Extremamente tóxica devido a presença de sulfóxidos e sulfetos orgânicos alifáticos (THRALL et al., 2004), principalmente para os gatos, seu consumo, mesmo em pequenas quantidades (5 g / Kg de gato) leva os mesmos a uma anemia (hemolítica) intensa com presença de cianose (cor roxo-azulado) com angústia respiratória além dos sintomas mostrados no consumo do alho (LEE et al., 2000).

A toxicidade tanto do alho quanto da cebola se deve a oxidação da hemoglobina em metahemoglobina (YAMATO et al., 2005), que resulta na diminuição de oxigenação dos tecidos e consequente hipóxia (LEE et al., 2000). A metahemoglobina por ser menos solúvel, precipita formando depósitos na parede da hemácia (corpúsculo de Heinz), fragilizando esta parede e as levando sua destruição (hemólise - TANG et al., 2008).

Diversos alimentos destinados ao consumo de bebês humanos (papinhas) que possuem tanto o alho quanto a cebola, desidratados, o que aumenta drasticamente o potencial tóxico em suas composições e são capazes de causar intoxicação grave tanto no gato quanto nos cães, com menor frequência (ROBERTSON et al., 1998).

Abacate (Persea americana)

Artigos sobre intoxicação de cães e gatos após consumo, imediato ou a longo prazo, de abacate são muito escassos na literatura científica, havendo apenas um relato de caso, de dois cães, após um suposto consumo da fruta, caída de árvore num quintal, que apresentaram sinais de intoxicação, não sendo especificado neste relato, qual parte da fruta foi ingerida (folha, talo, casca, polpa ou o caroço) ou quanto, logo, não há base científica que contraindique o consumo do abacate. Contudo, devido ao seu alto teor de gordura, seu consumo descontrolado pode levar a obesidade e/ou pancreatite, logo, sua ingestão deve ser supervisionada por um veterinário. Para determinadas espécies, principalmente as aves, o abacate tem um grande potencial tóxico (toxina persina) quando folhas, semente, e caroço, ou até mesmo a polpa da fruta são consumidos.

Os principais sinais clínicos associados a intoxicação pelo consumo de abacate são: dispneia (dificuldade de respirar), abaulamento abdominal, ascite (barriga d’água), anasarca (inchaço generalizado), além da gastroenterite, vômitos, diarreia, letargia (moleza) e taquicardia (coração acelerado) que podem surgir em até 24 horas após a ingestão da fruta, podendo evoluir até a morte.

Uvas / Passas (Vitis vinifera)

A toxicidade da uva depende da tolerância individual de cada cão (independe do sexo, idade ou raça) e da quantidade consumida, quanto maior o consumo, maior o risco. Existem diversos relatos de intoxicação, inclusive casos fatais, atribuídos à sua ingestão, incluídas em tortas, chocolates, bolos ou barras de cereais, principalmente na forma de passas (forma desidratada da uva).

Seu mecanismo de toxicidade ainda é desconhecido, havendo diversas hipóteses, indo desde a intolerância dos cães aos taninos (polifenóis quelantes de proteínas que levam a lesões renais), presença de toxinas nefrotóxicas de fungos, presença de pesticidas ou metais pesados, ou excesso dos metais alcalinos e alcalinos terrosos (potássio e magnésio principalmente por terem forte ação hipotensora levando a redução do fluxo sanguíneo em diversos órgãos, tais como coração, rins e pâncreas)

Sinais clínicos aparecem até 24 horas após ingestão e se caracterizam principalmente vômitos, diarreia, perda de apetite, dor abdominal, desidratação, fraqueza, tremores e letargia, alguns cães ainda apresentam oligúria (produz pouca urina) ou anúria (não produz urina) e polidipsia (beber muita água) caracterizando uma insuficiência renal aguda.

Chocolates, Chás e Cafés

Cães e gatos podem se intoxicar ao ingerirem alimentos que contenham altos teores de metilxantinas (teobromina) e cafeína, abundantes em cacau, chás (Camellia sinensis – chás branco, preto, verde, amarelo e vermelho), cafés (Coffea arabica) e bebidas à base de Cola.

Com relação ao chocolate a toxicidade dependerá da quantidade consumida, peso do animal e da concentração das metilxantinas presentes nos alimentos (chocolates à base de leite contêm menor teor de cacau que chocolates meio-amargos, e são considerados menos tóxicos).

Quanto ao café e chás não existem trabalhos na literatura veterinária que comprovem a intoxicação de cães e gatos por consumo direto deste, contudo, há relatos relacionados a ingestão de medicamentos contendo cafeína, entretanto, estes não devem ser ofertados aos pets por conterem estes componentes tóxicos.

O sinais clínicos aparecem 6 a 12 horas após a ingestão e incluem diarreia, vômitos, dor abdominal, poliúria (aumento do volume e frequência urinária) e desidratação, fraqueza, taquicardia (coração acelerado), arritmias cardíacas, taquipneia (respiração muito ofegante), convulsão, hipertermia (febre), hiperatividade (tremores) e intensa vocalização (uivos e gemidos) e em geral evoluem para a morte. Devido a grande quantidade de gordura no chocolate, mesmo em pequenas quantidades, seu consumo pode provocar pancreatite em animais suscetíveis.

Nozes-de-macadâmia (Macadamia sp.)

As intoxicações só foram relatadas, em cães, após o consumo de biscoitos, cookies, pães, bolos e manteigas contendo pastas ou as nozes de macadâmia. Assim como o chocolate, a toxicidade depende da quantidade consumida, peso do animal.

Os sinais clínicos aparecem em a partir de 2 horas após o consumo, provocando inicialmente, letargia (moleza), dificuldades motoras, inchaços nos membros, principalmente traseiros, tremores, dispneia (dificuldade de respirar), vômitos, dor abdominal, permanência em decúbito (deitado), hipertermia (febre), taquicardia (coração acelerado), podendo surgir uma pancreatite e reações alérgicas.

Leites e derivados

Não há toxicidade, mas sim, intolerância, que pode ser temporária ou definitiva, ou alergia alimentar de alguns pets. Em virtude da baixa ou ausência na produção da enzima lactase em cães e gatos, principalmente nos adultos, sobretudo naqueles que não consomem leite e derivados a muito tempo. A ingestão, mesmo que pequenas quantidades, pode provocar uma diarreia osmótica (aquosa) devido da deficiência ou ausência da quebra do açúcar presente do leite (lactose), a presença da lactose faz com que haja uma maior necessidade de água no interior do intestino (osmolaridade) o que torna as fezes mais líquidas, além disso, bactérias fermentam este açúcar, produzindo derivados ácidos o que acelera a motilidade intestinal, como consequência, tem-se uma diarréia aquosa em jatos. Outros pets podem desenvolver uma alergia, cuja principal manifestação é uma coceira (prurido) intenso, principalmente localizados em pontas de patas, virilha, axila e inserção da cauda.

Outros alimentos

Ovos crus

Possuem inibidores enzimáticos que dificultam a digestão das proteínas (anti-tripsinas) e absorção da vitamina biotina B7 (avidina).

Caroços de frutas

Possuem uma substância cianogênicas (amigdalina).